Mapas do Hades, O Reino dos Mortos da Mitologia Grega

Segundo os antigos gregos, a morada eterna dos mortos era o Hades, governado pelo deus de mesmo nome. Mas não se deve confundir o Hades ao inferno cristão, pois para os gregos, todos iriam para o Hades depois que morriam, independente se foram bons ou maus em vida.

As primeiras descrições do Hades o mostravam simplesmente como um local úmido e sombrio, como uma caverna. Mas com o tempo o reino dos mortos foi ganhando cada vez mais detalhes, e passou a ser segmentado em diversos sub-reinos, como o Campos Elísios, o Tártaro e o Campo dos Asfódelo. O Hades também era cortado por diversos rios, como o Aqueronte e o Estige.

Com base nessas descrições do reino dos mortos, muita gente já tentou mapear o Hades. Confira então abaixo alguns desses mapas que foram feitos. Assim, quando você for pra lá, não irá mais se perder. =)

Mapa do Hades segundo Virgílio
Mapa do Hades segundo a Eneida de Virgílio.

 

Mapa do Hades, o Reino dos Mortos
Mapa geral do reino de Hades com suas várias subdivisões.

 

Mapa do Hades segundo Percy Jackson
Mapa do Hades segundo a série de livros “Percy Jackson e os Olimpianos” de Rick Riordan.

 

O Hades dos Cavaleiros do Zodíaco
O Hades segundo o mangá dos Cavaleiros do Zodíaco.

 

O que é Mito? O que é Mitologia?

Mito e Mitologia

Para poder responder a essas perguntas com precisão, devemos primeiramente abandonar o sentido que a palavra mito assumiu nos dias de hoje, como sendo uma história inventada, inverídica, uma mentira, para então podermos retomar o sentido original da palavra. Mito vem da palavra grega mythos (μῦθος) que pode ser traduzido como discurso ou narrativa. O mito é então simplesmente uma história narrada, indiferente do julgamento que façamos sobre ela de verdadeira ou falsa.

Esse sentido original do mito está intimamente ligado a oralidade, vocalização, pois a grécia antiga do período homérico possuía uma cultura estritamente oral. Isso quer dizer que as histórias não eram escritas, mas eram passadas de geração a geração através do canto do aedo (ἀοιδός), que pode ser encarado como o bardo helênico. Aliás, aedo vem do verbo aidô (ᾄδω) que significa exatamente “cantar”. Homero, para algumas correntes históricas e literárias, seria um desses vários aedos que existiam no século IX a.C.. No entanto, há outras correntes que simplesmente descartam a existência de Homero, mas essa “questão homérica” ficará como assunto de um outro post.

Mitologia é formado pelas palavras mythos e logos (λόγος). É interessante notar que nas poesias homéricas as duas palavras são tratadas como sinônimos, mas conforme avançamos para o período da grécia clássica no século V a.C., essa sinonímia vai se perdendo, ao ponto das duas palavras passarem a adotar sentidos opostos. Enquanto mythos passou para o campo semântico do “crer”, logos passou para o campo do “saber” e da “razão”. Mitologia então nada mais é do que o logos aplicado sobre o mythos, ou seja, uma “racionalização” e “sistematização” dos mitos. Então quando Hesíodo organizou em uma única obra, “Teogonia”, os diversos mitos gregos de origens diferentes e esparsas, dando assim uma unidade lógica a eles, estava exatamente criando uma mitologia grega.

Essa racionalização dos mitos gregos que começa com Hesíodo no século VIII a.C. irá prosseguir com outros poetas, filósofos e pensadores pelos séculos seguintes, sendo que alguns tentavam historicizar os mitos, e outros procuravam uma interpretação alegórica para eles. O primeiro intérprete alegórico dos mitos gregos foi possivelmente Teógenes, de Régia, no século VI a.C. Ele tentava buscar dois tipos de alegoria nos mitos: a alegoria física, que interpretava as divindades como elementos da natureza, e a alegoria moral, que enxergava as ações dessas divindades como disposições da alma. Outros dois grandes nomes da corrente alegórica foram Plutarco, com seu “Ensaio sobre a Vida e a Poesia de Homero” e Heráclito, com sua obra “Problemas Homéricos Relativos às Alegorias de Homero sobre os Deuses”, ambos do século I d.C.

Essa corrente de interpretação alegórica dos mitos irá perdurar por todos os estudiosos até o século XVIII, quando então o filósofo alemão Friedrich Schelling propõe em sua “Introdução a Filosofia da Mitologia” uma interpretação tautegórica dos mitos, e não mais alegórica. Isso quer dizer que os mitos deveriam ser analisados pelos seus significados próprios, internos, e não externos como fazem os alegóricos.

Essa obra de Schelling se tornou a base para o desenvolvimento de uma nova corrente de analise dos mitos, a chamada corrente simbolista, que tem como um de seus principais representantes o também filósofo alemão Ernst Cassirer. Segundo Cassier, em seu livro “Filosofia das Formas Simbólicas”, o mito é algo concreto, pois está relacionado com conteúdos sensíveis através de imagens, existindo desta forma uma unidade entre o objeto e o conceito. A corrente simbólica se propõe então a descobrir a visão de mundo própria do pensamento mítico, e por conseguinte do homem mítico, que possui categorias de pensamento próprias e diferentes do pensamento racional.

Uma outra corrente que surgiu em seqüência da simbolista foi a funcionalista, que diferente da corrente anterior, propunha uma análise do mito de forma mais prática e funcional, relacionando sempre o mito ao rito (ou vice-versa). Existem duas subdivisões nessa corrente, sendo que a primeira acredita que o rito é posterior ao mito, e portanto, um rito explicaria um mito. Já a segunda acredita que é o contrário, que o mito é que é posterior ao rito, e portanto, um mito serviria para organizar e explicar certa prática social que já acontecia. Alguns nomes da corrente funcionalista são Francis Cornford, James Frazer e Eric Havelock.

Por fim, a última corrente que surgiu foi a estruturalista, criada em meados do século XX pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss. A corrente estruturalista buscava a convergência do pensamento mítico ao racional. A idéia era perceber a lógica interna do mito através da redução da narrativa mítica a pequenas estruturas (os mitemas). Apesar de Lévi-Strauss ser o nome mais famoso dessa corrente, quem na verdade mais se destacou na analise estrutural do mito, sobretudo o grego, foi o historiador francês Jean-Pierre Vernant.

Cada uma dessas correntes procura analisar os mitos sobre enfoques diferentes, sendo que cada uma tem suas vantagens e desvantagens particulares. Mas uma falha que todas essas correntes apresentam é o de tentar generalizar as suas interpretações teóricas a todos os mitos de todos os povos e culturas. Ainda que diferentes mitos de diferentes povos possam ter estruturas idênticas, como bem percebeu mitólogos como Joseph Campbell, um método de análise que se aplica bem a mitologia grega não necessariamente servirá também para a mitologia nórdica ou brasileira. Isso acontece porque dentro de uma mesma mitologia não existe apenas um mito de um determinado personagem ou acontecimento, mas vários, e cada um variando em pequenos detalhes um do outro. E para uma boa análise do mito, esses detalhes não podem ser deixados de lado.

No que tange especificamente aos mitos gregos, tendemos a reconhecer como “o mito” aqueles que se tornaram cristalizados pelas obras literárias como a poesia épica ou a tragédia. Mas ainda que a tragédia “Édipo Tirano”, de Sófocles, seja uma excelente representação do mito de Édipo, ela é apenas mais uma dentre inúmeras versões desse mito, e que foram esquecidas ou se perderam na História.

E não pense que a criação de mitos é apenas algo dos povos antigos e deixou de ser feita nos dias de hoje. Como eu já disse neste artigo sobre Heracles, um mito pode sobreviver além de seus povos de origem, e isso acontece justamente pela novas versões deles que vão surgindo, seja com a continuidade da narrativa oral que se transformam de geração para geração, seja com novas obras literárias que buscam um novo olhar sobre um certo mito ou até mesmo tentando recriá-lo completamente para adaptá-lo as novas gerações. Mesmos nas mídias artísticas mais modernas como o cinema, ou inclusive os videogames, essa criação de novos mitos continua a ser feita. E eu mesmo estou criando os meus próprios “mitos gregos” com Nova Hélade. =)

Hércules ou Heracles?

Hércules contra o Leão da Neméia

Alguém que possui um conhecimento básico de mitologia grega certamente dirá que Hércules nada mais é do que o nome romano do herói grego Heracles. No entanto, Hércules não é exatamente Heracles. Não se trata do mesmo personagem. “Hã? Mas como não?” – é o que perguntaria, ainda surpreso por esta revelação, o aluno do fundo da sala fã de .

Mas antes de responder a essa pergunta, vejamos o que diz Georges E. Zacharakis em seu livro Mitologia Grega – Genealogias das Suas Dinastias sobre o mito na Grécia:

“(…) desde sua criação, o mito na Grécia percorreu através do tempo um longo caminho para chegar à forma que conhecemos hoje. Costuma-se dizer que o mito não se refere a tempo e nem a espaço. A expressão não corresponde à realidade. O mito foi criado num tempo e espaço determinados e em condições específicas. Do mito inicial nasceram outros; e destes mais outros que foram reproduzidos, reformados, modificados, completados e alterados. Estes foram apresentados diferentes ou novos, adaptados às condições de tempo e espaço.” (ZACHARAKIS, 1995, p. 41)

Os mitos, portanto, são historicamente constituídos, e expressam a mentalidade e o conjunto de valores de um povo em uma determinada época. E quando há alguma alteração desses valores, ou uma mudança no regime político-social, essas mudanças são em geral captadas pelos mitos, que se modificam para se adaptar a nova realidade daquele povo.

Ainda que os romanos tenham sido altamente influenciados culturalmente pelos helenos, não se trata da mesma cultura. Os romanos adaptaram os mitos gregos aos seus próprios valores e a sua própria realidade sócio-política. Assim, o Hércules romano não é o mesmo Heracles grego, pois ele sofreu inúmeras transformações em seu mito durante a transposição de uma sociedade para outra.

Segundo Zacharakis (1995, p. 77), “o nome Heracles, em grego significa ‘Hera-Cleos’, glória de Hera, isto é, aquele que luta pela glória da deusa Hera; o companheiro, o amigo, o defensor, o apóstolo da deusa, o sarcedote do seu culto”. No entanto, nas narrativas dos doze de trabalhos vemos que Heracles não luta em nenhum momento pela glória de Hera, muito pelo contrário, a esposa ciumenta de Zeus é a grande antagonista dele. “Mas como pode isso?” – pergunta o aluno sentado do lado da janela e que não perde um episódio do seriado do Hércules e da .

Essa aparente contradição existe porque, como já foi dito, os mitos são modificados à medida que são reproduzidos. E o Heracles sofreu diversas modificações em seu mito já na própria Grécia, antes da chegada dos romanos. Podemos identificar ao menos dois Heracles nos mitos gregos. Um tebano, que também era chamado de Alciedes. Esse é o Heracles dos doze trabalhos, e que se tornou mais conhecido. E outro cretense, de origem bem mais antiga. Esse é o Heracles protetor de Hera, e que participou dos Argonautas liderados por Jasão, como é narrado por Apolônio de Rhodes na Argonáutica.

Não só Heracles, mas a mitologia grega como um todo tem a sua origem na ilha de Creta e na civilização minóica, que dominou a região da Grécia antes da chegada da tribo dos aqueus, de origem indo-eropéia, que desceram do norte ao mesmo tempo em que outros grupos de mesma etnia migravam para as regiões do norte da Índia, da Ásia Menor, e nos arredores do Golfo Pérsico por volta de 2000 a.C. Essa civilização era chamada de minóica em referência a Minos, um lendário rei cretense, mas que muitos historiadores acreditam ser também o nome de título de rei em Creta (assim como César se tornou título de imperador em Roma). Diferente dos aqueus, os cretences possuíam um sistema sócio-politico matriarcal, ou seja, a mulher é quem era a chefe da tribo, e por extensão do Estado. Era a mulher que dominava os assuntos religiosos, políticos e sociais, exercendo funções de liderança e com total independência em relação aos homens, que ocupavam uma posição inferior na sociedade. Vejamos porque, segundo Zacharakis, a sociedade minóica se constitui dessa maneira:

“A formação em sociedade foi a primeira necessidade do homem primitivo. E, ainda, o homem observou que em seu ambiente limitado existia a mulher que possuía o poder da reprodução, a força de produzir vida, semelhante àquela da terra, com a influência da lua. A mulher gerava filhos e seu período ginecológico era de 28 dias, em número igual ao ciclo das fases da lua; como também foi notado que as fases da vida da mulher correspondiam àquela da lua: moça-virgem (lua nova), mulher-madura (lua cheia) e anciã (lua velha). Esta semelhança impõe ao homem a consideração e o respeito à mulher elevando-a a uma posição superior e mais próximo ao divino. E em conseqüência de ser a mulher mais e mais constante no ambiente da convivência, foi atribuído a ela o poder de chefia do ambiente e da sociedade. Desde então a mulher ganhou posição prestigiada e foi considerada a chefe da comunidade. (…)” (ZACHARAKIS, 1995, p. 20)

Se a religião é um espelho de sua sociedade, não por acaso o grande deus dos cretentese é na verdade uma deusa; Deméter (dan-mater, que significa terra-mãe), também conhecida simplesmente por “a Deusa”. Ela era uma deusa tríade, ou seja, era formada por três diferente representações que estavam associadas a fase da lua, que por sua vez, estavam associadas as diferentes fases da mulher. Então a Deusa na sua fase de virgindade era representada por Athena, em sua fase de maturidade por Afrodite, e em sua fase de anciã por Hera.

Nesta teogonia minóica, Zeus é um deus menor, companheiro da Deusa-Terra, e o elemento fecundador representado pela chuva. O nome dele provém da palavra zauxis que significa jungir ou unir. A exemplo das estações do ano e dos ciclos de chuva, Zeus deveria nascer todos os anos para a fecundação da Deusa-Terra, morrendo logo depois, assim como o zangão que morre logo após fecundar a abelha rainha. Esse mito era representado na sociedade minóica através do ritual de sacrifício.

Todo ano, a rainha, representante da Deusa, deveria escolher um jovem rei como amante (que seria o representante de Zeus), e ele era sacrificado quando o ano tivesse terminado. Com o sangue do rei eram pulverizados os campos cultivados e as lavouras, e isso, acreditavam, iria garantir produtividade e uma boa colheita. A carne do rei era comida pela rainha-chefe e suas sacerdotisas. Logo após este ritual, outro jovem rei era escolhido como novo amante pela rainha, para também morrer no ano seguinte em favor de uma boa colheita. Podemos dizer que ser rei em Creta era uma “carreira” que possuía uma “aposentadoria” bem precoce.

Mas com o tempo, o “plano de carreia” de rei em Creta ganhou algumas melhorias. O rei deixou de ser um “simples fecundador” e gradativamente passou a tomar parte dos serviços executivos e seu tempo de vida passou a ser mais prolongado antes de seu sacrifico. Até que no período da chegada dos aqueus, o sacrifico humano foi substituído pelo sacrifício animal (graças as Zeus!). E com essas transformações na sociedade minóica, as sarcedotisas foram substituídas por sacerdotes, e provavelmente é aqui que temos a origem de Heracles, pois segundo o mito cretense, ele teria sido um dos primeiros sacerdotes da Deusa mãe junto com Jasão, Idas, Epimedes e Peonéo. Com o gradativo domínio dos aqueus e o enfraquecimento do domínio minóico, o sistema político-social, de matriarcal passou a ser patriarcal. Assim, com o homem no poder, Zeus passa a ser o supremo-chefe do Olimpo, e para a poderosa Hera do passado, resta-lhe o papel de esposa e companheira fiel (esta, no entanto, era uma palavra que Zeus desconhecia).

Quanto a Heracles, que iniciou sua ação como sacerdote de Hera na ilha de Creta, estendeu seus domínios para outras regiões conforme progredia o avanço da nova civilização micênica que se formou após a minóica. A principio, seus feitos estavam concentrados na região próxima a Tebas (como podemos verificar pelos seis primeiros trabalhos), mas com o crescimento de sua popularidade, todos os povos desejavam se identificar com a imagem do herói, e cada um deles dava um jeito de criar um mito (ou modificar um outro) para provar que suas raízes e descendência tinha origem em Heracles. Por isso, os inúmeros feitos e proezas de Heracles não tinham uma seqüência lógica (ainda que dentro da lógica temporal do próprio mito, e não histórica).

Assim, apesar dos esforços, os mitólogos, poetas e dramaturgos não conseguiram colocar os mitos de Hércules numa ordem hierárquica coerente, e seu mitos surgem sob várias formas, de acordo com a época, a região, e a subjetividade dos artistas. Pois, como já foi dito, o mito não é estático, mas sim uma matéria em eterna mutação, que se mantém viva através da História, mesmo além de seus povos de origem. E eu, através de Nova Hélade, dou minha pequena contribuição pra essa vivacidade da mitologia grega.