Pancrácio – O UFC da Grécia Antiga

Um dos temas que abordo na história em quadrinhos de Nova Hélade é o Pancrácio, uma antiga arte marcial criada na Grécia do sec. XI a.C. e que foi também uma das modalidades esportivas disputada nos jogos Olímpicos da antiguidade.

O nome Pancrácio, vem do grego Pankration (Πανκράτιον), formado por “pan” (πάν), que significa tudo, todo, todos (e no português é usado como prefixo em palavras como panaceia, panteísmo e pan-americano), e “kratos” (κράτος), que significa poder, mas em geral usado com o significado específico de um poder que é exercido pela força e pela violência (e agora vocês já sabe porque o protagonista do game God of War se chama Kratos). Então numa tradução livre, Pancrácio pode significar “o todo poderoso” ou “todos os poderes”.

Pancrácio - Pankration

O Partenon e a Acrópole de Atenas

O vídeo acima é uma animação produzida pela Organização de Cultura Helênica, que conta a história do Partenon, desde sua construção até os dias de hoje. Durante esse tempo, o Partenon sofreu inúmeras alterações, foi queimado por uma invasão bárbara, restaurado pelos romanos, convertido em igreja cristã durante o período bizantino, depois transformado em mesquita durante o domínio do Império Otomano, até ser alvo de uma explosão em 1687 que acabou destruindo a edificação parcialmente, sobrando apenas as ruínas que vemos hoje.

O Partenon era um templo a deusa Atená, construído no sec. V a.C. na Acrópole de Atenas, a mando de Péricles, um dos mais importantes estrategos da época, e a supervisão da construção ficou a cargo do escultor Fídias.

O nome Partenon deriva da palavra parthenos (παρθένος), que significa virgem, e era um dos epítetos da deusa Atená. Dentro do Partenon havia uma monumental estátua de Atena Partenos esculpida por Fídias.

Abaixo vocês conferem algumas imagens sobre o Partenon e a Acrópole de Atenas.

Reconstrução da Acrópole de Atenas
Infográfico mostrando uma reconstrução de como era a Acrópole de Atenas no período clássico.

 

Planta da Acrópole de Atenas
Planta da Acrópole de Atenas.

 

Maquete da Acrópole de Atenas
Maquete representando como era a Acrópole de Atenas.

 

Interior do Partenon
Representação de como era a estrutura interior do Partenon.

 

A Acrópole de Atenas
Foto mostrando uma visão aérea da Acrópole e do Partenon nos dias de hoje.

Isócrates Contra os Sofistas

Vaso Grego

Através dos arcos de histórias de Nova Hélade, serão abordados nas tramas diversos conceitos e idéias de vários pensadores gregos da antiguidade. Pretendo então escrever uma série de textos abordando esses pensadores cujas as idéias inspiraram Nova Hélade. E para começar, vou falar sobre Isócrates, um pensador que foi de fundamental importância na construção da educação formal na grécia antiga.

Isócrates nasceu em 436 a.C, na cidade de Atenas. Ele foi discípulo de , Pródico e Górgias. Tinha como principal adversário político, , pois este combatia em seus discursos na assembléia Ateniense os avanços do império de Felipe da Macedônia, enquanto Isócrates via em Felipe um líder apto a executar uma união pan-helênica para combater os inimigos “bárbaros”, em especial, os Persas.

Isócrates foi contemporâneo de , e era de certa maneira tão moralista em seu discurso quanto ele. No entanto, no campo da política, Isócrates possuía uma acepção mais “realista” que Platão, pois via a política como um saber prático. Mas se havia algo em que ambos concordavam, era na crítica que eles faziam aos Sofistas.

E é justamente essa crítica que vemos Isócrates fazer em Contra os Sofistas, escrito em 390 a.C (acredita-se que esse esse texto deveria ser originalmente mais extenso, pois ele termina abruptamente). Não se sabe exatamente qual a finalidade dos textos de Isócrates, mas supõem-se que este texto específico seja um manifesto em forma de panfleto, escrito para divulgar a recém inaugurada escola de Isócrates e sua paidéia, seu método de educação. E como um bom retórico, Isócrates sabia que não havia melhor maneira de chamar atenção para seu discurso do que começar atacando.

Basicamente o entendimento que Isócrates tinha de filosofia, e dos filósofos, se dava em oposição a concepção dele dos sofistas. E a principal crítica que ele faz ao sofistas é o fato deles cobrarem para ensinar a temperança (sophrosyne) e a justiça (dikaiosyne). Para Isócrates, não havia nenhuma arte (técne) capaz de incutir estes valores naqueles que não fossem naturalmente inclinados para a virtude (areté). No entanto, o estudo e o exercício do discurso poderia engrandecer esses valores nos homens.

A organização do discurso de Isócrates em “Contra os Sofistas” se dá da seguinte maneira. Primeiro, ele começa criticando os erísticos, que podem ser entendidos como todos aqueles que se utilizam da técnica retórica para vencerem uma discussão e calarem os adversário, e que segundo Isócrates, fingem procurar a verdade mas em seus ensinamentos apenas proferem mentiras.

Em segundo, Isócrates censura os “mestres da retórica” que prometem ensinar os discursos políticos. Isócrates os critica por não se preocuparem realmente com a verdade, e vale ressaltar aqui que para ele, no campo da política só há opinião (doxa), sendo a verdade inacessível ao Homem. Ele os critica também por se comportarem de modo estúpido não servindo deste modo como exemplo para seus discípulos. A censura de Isócrates também aborda o fato destes “mestres” não se importarem com a experiência e a natureza de seus discípulos, acreditando eles que basta ensinar uma série de fórmulas prontas para transformarem seus discípulos em excelentes oradores. Isócrates ainda se ressente pelo fato de que as “bobagens” proferidas por estes “mestres” acabam difamando todos aqueles envolvidos com a ocupação da retórica, o que inclui ele mesmo.

Em seguida no seu discurso, Isócrates finalmente irá expor os princípios de seu pensamentos (apesar de já ter evidenciado alguns deles em suas críticas aos erísticos e aos “mestres”). Para Isócrates o poder do discurso surge nos homens de “ótima natureza” e “treinados na experiência”. Por sua vez, a educação teria a função unicamente de tornar estes homens mais hábeis tecnicamente e mais preparados para a investigação, pois assim tornam-se capazes de assimilar prontamente aquilo que encontrariam por acaso.

No que diz respeito a relação entre o discípulo e seu mestre, este deve ser capaz de explicar seus ensinamentos detalhadamente e também apresentar a si mesmo como um modelo a ser seguido, ao passo que aquele, além de ter o dom natural, deve imitar o seu mestre e exercitar o seu discurso através da prática. Isócrates ainda ressalta que o belo discurso é aquele que é oportuno, conveniente e novo.

Por fim, em seu discurso Isócrates ainda faz mais uma crítica, dessa vez voltado aos antigos autores de manuais de retórica, que teriam na figura de Córax de Siracusa o seu pioneiro. Esses autores prometiam ensinar através de seus manuais como discursar nos tribunais, através do uso, segundo Isócrates, de expressões deploráveis que deveriam ser ditas pelos “invejosos” e não pelos defensores dessa educação. Isócrates ainda os considera piores do que os erísticos, umas vez que estes ao menos prometiam a virtude e a temperança, enquanto aqueles ao incitarem as pessoas ao discurso político, negligenciavam de outros bens e se colocavam como professores de intriga e ganância.

Pois bem, o que podemos concluir a partir dos argumentos apresentados por Isócrates em “Contra os Sofistas” é que ele entendia a filosofia por um sentido mais genérico do “gosto pelo saber”. Para Isócrates, a filosofia ajudava as pessoas a entenderem os problemas éticos e políticos mais claramente, e aliada a retórica, permitia com que elas expressassem suas opiniões diante desses problemas com um zelo maior pelo discurso, que por sua vez, também as auxiliariam na prática. E no entanto, sempre frisando que a justiça não poderia ser ensinada a nenhum Homem por nenhuma arte, ao contrário do que prometia os sofistas.

O que é Mito? O que é Mitologia?

Mito e Mitologia

Para poder responder a essas perguntas com precisão, devemos primeiramente abandonar o sentido que a palavra mito assumiu nos dias de hoje, como sendo uma história inventada, inverídica, uma mentira, para então podermos retomar o sentido original da palavra. Mito vem da palavra grega mythos (μῦθος) que pode ser traduzido como discurso ou narrativa. O mito é então simplesmente uma história narrada, indiferente do julgamento que façamos sobre ela de verdadeira ou falsa.

Esse sentido original do mito está intimamente ligado a oralidade, vocalização, pois a grécia antiga do período homérico possuía uma cultura estritamente oral. Isso quer dizer que as histórias não eram escritas, mas eram passadas de geração a geração através do canto do aedo (ἀοιδός), que pode ser encarado como o bardo helênico. Aliás, aedo vem do verbo aidô (ᾄδω) que significa exatamente “cantar”. Homero, para algumas correntes históricas e literárias, seria um desses vários aedos que existiam no século IX a.C.. No entanto, há outras correntes que simplesmente descartam a existência de Homero, mas essa “questão homérica” ficará como assunto de um outro post.

Mitologia é formado pelas palavras mythos e logos (λόγος). É interessante notar que nas poesias homéricas as duas palavras são tratadas como sinônimos, mas conforme avançamos para o período da grécia clássica no século V a.C., essa sinonímia vai se perdendo, ao ponto das duas palavras passarem a adotar sentidos opostos. Enquanto mythos passou para o campo semântico do “crer”, logos passou para o campo do “saber” e da “razão”. Mitologia então nada mais é do que o logos aplicado sobre o mythos, ou seja, uma “racionalização” e “sistematização” dos mitos. Então quando Hesíodo organizou em uma única obra, “Teogonia”, os diversos mitos gregos de origens diferentes e esparsas, dando assim uma unidade lógica a eles, estava exatamente criando uma mitologia grega.

Essa racionalização dos mitos gregos que começa com Hesíodo no século VIII a.C. irá prosseguir com outros poetas, filósofos e pensadores pelos séculos seguintes, sendo que alguns tentavam historicizar os mitos, e outros procuravam uma interpretação alegórica para eles. O primeiro intérprete alegórico dos mitos gregos foi possivelmente Teógenes, de Régia, no século VI a.C. Ele tentava buscar dois tipos de alegoria nos mitos: a alegoria física, que interpretava as divindades como elementos da natureza, e a alegoria moral, que enxergava as ações dessas divindades como disposições da alma. Outros dois grandes nomes da corrente alegórica foram Plutarco, com seu “Ensaio sobre a Vida e a Poesia de Homero” e Heráclito, com sua obra “Problemas Homéricos Relativos às Alegorias de Homero sobre os Deuses”, ambos do século I d.C.

Essa corrente de interpretação alegórica dos mitos irá perdurar por todos os estudiosos até o século XVIII, quando então o filósofo alemão Friedrich Schelling propõe em sua “Introdução a Filosofia da Mitologia” uma interpretação tautegórica dos mitos, e não mais alegórica. Isso quer dizer que os mitos deveriam ser analisados pelos seus significados próprios, internos, e não externos como fazem os alegóricos.

Essa obra de Schelling se tornou a base para o desenvolvimento de uma nova corrente de analise dos mitos, a chamada corrente simbolista, que tem como um de seus principais representantes o também filósofo alemão Ernst Cassirer. Segundo Cassier, em seu livro “Filosofia das Formas Simbólicas”, o mito é algo concreto, pois está relacionado com conteúdos sensíveis através de imagens, existindo desta forma uma unidade entre o objeto e o conceito. A corrente simbólica se propõe então a descobrir a visão de mundo própria do pensamento mítico, e por conseguinte do homem mítico, que possui categorias de pensamento próprias e diferentes do pensamento racional.

Uma outra corrente que surgiu em seqüência da simbolista foi a funcionalista, que diferente da corrente anterior, propunha uma análise do mito de forma mais prática e funcional, relacionando sempre o mito ao rito (ou vice-versa). Existem duas subdivisões nessa corrente, sendo que a primeira acredita que o rito é posterior ao mito, e portanto, um rito explicaria um mito. Já a segunda acredita que é o contrário, que o mito é que é posterior ao rito, e portanto, um mito serviria para organizar e explicar certa prática social que já acontecia. Alguns nomes da corrente funcionalista são Francis Cornford, James Frazer e Eric Havelock.

Por fim, a última corrente que surgiu foi a estruturalista, criada em meados do século XX pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss. A corrente estruturalista buscava a convergência do pensamento mítico ao racional. A idéia era perceber a lógica interna do mito através da redução da narrativa mítica a pequenas estruturas (os mitemas). Apesar de Lévi-Strauss ser o nome mais famoso dessa corrente, quem na verdade mais se destacou na analise estrutural do mito, sobretudo o grego, foi o historiador francês Jean-Pierre Vernant.

Cada uma dessas correntes procura analisar os mitos sobre enfoques diferentes, sendo que cada uma tem suas vantagens e desvantagens particulares. Mas uma falha que todas essas correntes apresentam é o de tentar generalizar as suas interpretações teóricas a todos os mitos de todos os povos e culturas. Ainda que diferentes mitos de diferentes povos possam ter estruturas idênticas, como bem percebeu mitólogos como Joseph Campbell, um método de análise que se aplica bem a mitologia grega não necessariamente servirá também para a mitologia nórdica ou brasileira. Isso acontece porque dentro de uma mesma mitologia não existe apenas um mito de um determinado personagem ou acontecimento, mas vários, e cada um variando em pequenos detalhes um do outro. E para uma boa análise do mito, esses detalhes não podem ser deixados de lado.

No que tange especificamente aos mitos gregos, tendemos a reconhecer como “o mito” aqueles que se tornaram cristalizados pelas obras literárias como a poesia épica ou a tragédia. Mas ainda que a tragédia “Édipo Tirano”, de Sófocles, seja uma excelente representação do mito de Édipo, ela é apenas mais uma dentre inúmeras versões desse mito, e que foram esquecidas ou se perderam na História.

E não pense que a criação de mitos é apenas algo dos povos antigos e deixou de ser feita nos dias de hoje. Como eu já disse neste artigo sobre Heracles, um mito pode sobreviver além de seus povos de origem, e isso acontece justamente pela novas versões deles que vão surgindo, seja com a continuidade da narrativa oral que se transformam de geração para geração, seja com novas obras literárias que buscam um novo olhar sobre um certo mito ou até mesmo tentando recriá-lo completamente para adaptá-lo as novas gerações. Mesmos nas mídias artísticas mais modernas como o cinema, ou inclusive os videogames, essa criação de novos mitos continua a ser feita. E eu mesmo estou criando os meus próprios “mitos gregos” com Nova Hélade. =)