Eros

Eros e Psiquê

Cada um dos quatro heróis havia sido amaldiçoado por um dos Primordiais. Teseu não podia sonhar, nem ao menos dormir, pois Hipnos lhe negara a entrada em seu reino. Aquiles não podia morrer, nunca sentiria a paz serena da lâmina de Tânatos e amargaria o sofrimento terreno por toda a eternidade. Hercules não era dono de seu próprio destino, nem uma das suas escolhas realmente importava, já estava tudo programado por Moros.
Mas a sua maldição, ponderou Perseu fitando a face andrógina de Eros, era certamente a pior de todas.
– Por que eu? – indagou Perseu. – Por que terei de viver toda uma vida sem nunca saber o que é o amor? Sem nunca saber o que é amar e ser amado?
– Desculpe – respondeu Eros. – Mas minha dádiva é para poucos.

A Máquina do Mundo

Máquina do Mundo

– Onde Estou?
– Seja bem vindo ao CPD do universo.
– CPD?
– Sim, o Centro de Processamento de Dados. Eu sou Moros, o…
– O Programador do Destino.
– Então você me conhece.
– Claro que conheço. Por toda a minha vida tentei me libertar do programa que você escreveu para mim. Mas foi em vão. Tudo que fiz para escapar, apenas me prendeu mais ainda a ele.
– Nem tudo foi em vão. Venha, quero lhe mostra algo.
– O que é isso?
– É a máquina do mundo. Vamos, olhe para dentro dela. O que vê?
– O código fonte do meu destino… está desaparecendo… Mas por quê?
– Você finalmente conseguiu o que queria. Enfim, se tornou senhor de si mesmo, dono de seu próprio destino.
– Livre… eu estou livre. LIVRE!
– Parabéns Hércules.
– Por favor, me chame de Alciedes. Hércules, agora, está morto.

Hércules ou Heracles?

Hércules contra o Leão da Neméia

Alguém que possui um conhecimento básico de mitologia grega certamente dirá que Hércules nada mais é do que o nome romano do herói grego Heracles. No entanto, Hércules não é exatamente Heracles. Não se trata do mesmo personagem. “Hã? Mas como não?” – é o que perguntaria, ainda surpreso por esta revelação, o aluno do fundo da sala fã de .

Mas antes de responder a essa pergunta, vejamos o que diz Georges E. Zacharakis em seu livro Mitologia Grega – Genealogias das Suas Dinastias sobre o mito na Grécia:

“(…) desde sua criação, o mito na Grécia percorreu através do tempo um longo caminho para chegar à forma que conhecemos hoje. Costuma-se dizer que o mito não se refere a tempo e nem a espaço. A expressão não corresponde à realidade. O mito foi criado num tempo e espaço determinados e em condições específicas. Do mito inicial nasceram outros; e destes mais outros que foram reproduzidos, reformados, modificados, completados e alterados. Estes foram apresentados diferentes ou novos, adaptados às condições de tempo e espaço.” (ZACHARAKIS, 1995, p. 41)

Os mitos, portanto, são historicamente constituídos, e expressam a mentalidade e o conjunto de valores de um povo em uma determinada época. E quando há alguma alteração desses valores, ou uma mudança no regime político-social, essas mudanças são em geral captadas pelos mitos, que se modificam para se adaptar a nova realidade daquele povo.

Ainda que os romanos tenham sido altamente influenciados culturalmente pelos helenos, não se trata da mesma cultura. Os romanos adaptaram os mitos gregos aos seus próprios valores e a sua própria realidade sócio-política. Assim, o Hércules romano não é o mesmo Heracles grego, pois ele sofreu inúmeras transformações em seu mito durante a transposição de uma sociedade para outra.

Segundo Zacharakis (1995, p. 77), “o nome Heracles, em grego significa ‘Hera-Cleos’, glória de Hera, isto é, aquele que luta pela glória da deusa Hera; o companheiro, o amigo, o defensor, o apóstolo da deusa, o sarcedote do seu culto”. No entanto, nas narrativas dos doze de trabalhos vemos que Heracles não luta em nenhum momento pela glória de Hera, muito pelo contrário, a esposa ciumenta de Zeus é a grande antagonista dele. “Mas como pode isso?” – pergunta o aluno sentado do lado da janela e que não perde um episódio do seriado do Hércules e da .

Essa aparente contradição existe porque, como já foi dito, os mitos são modificados à medida que são reproduzidos. E o Heracles sofreu diversas modificações em seu mito já na própria Grécia, antes da chegada dos romanos. Podemos identificar ao menos dois Heracles nos mitos gregos. Um tebano, que também era chamado de Alciedes. Esse é o Heracles dos doze trabalhos, e que se tornou mais conhecido. E outro cretense, de origem bem mais antiga. Esse é o Heracles protetor de Hera, e que participou dos Argonautas liderados por Jasão, como é narrado por Apolônio de Rhodes na Argonáutica.

Não só Heracles, mas a mitologia grega como um todo tem a sua origem na ilha de Creta e na civilização minóica, que dominou a região da Grécia antes da chegada da tribo dos aqueus, de origem indo-eropéia, que desceram do norte ao mesmo tempo em que outros grupos de mesma etnia migravam para as regiões do norte da Índia, da Ásia Menor, e nos arredores do Golfo Pérsico por volta de 2000 a.C. Essa civilização era chamada de minóica em referência a Minos, um lendário rei cretense, mas que muitos historiadores acreditam ser também o nome de título de rei em Creta (assim como César se tornou título de imperador em Roma). Diferente dos aqueus, os cretences possuíam um sistema sócio-politico matriarcal, ou seja, a mulher é quem era a chefe da tribo, e por extensão do Estado. Era a mulher que dominava os assuntos religiosos, políticos e sociais, exercendo funções de liderança e com total independência em relação aos homens, que ocupavam uma posição inferior na sociedade. Vejamos porque, segundo Zacharakis, a sociedade minóica se constitui dessa maneira:

“A formação em sociedade foi a primeira necessidade do homem primitivo. E, ainda, o homem observou que em seu ambiente limitado existia a mulher que possuía o poder da reprodução, a força de produzir vida, semelhante àquela da terra, com a influência da lua. A mulher gerava filhos e seu período ginecológico era de 28 dias, em número igual ao ciclo das fases da lua; como também foi notado que as fases da vida da mulher correspondiam àquela da lua: moça-virgem (lua nova), mulher-madura (lua cheia) e anciã (lua velha). Esta semelhança impõe ao homem a consideração e o respeito à mulher elevando-a a uma posição superior e mais próximo ao divino. E em conseqüência de ser a mulher mais e mais constante no ambiente da convivência, foi atribuído a ela o poder de chefia do ambiente e da sociedade. Desde então a mulher ganhou posição prestigiada e foi considerada a chefe da comunidade. (…)” (ZACHARAKIS, 1995, p. 20)

Se a religião é um espelho de sua sociedade, não por acaso o grande deus dos cretentese é na verdade uma deusa; Deméter (dan-mater, que significa terra-mãe), também conhecida simplesmente por “a Deusa”. Ela era uma deusa tríade, ou seja, era formada por três diferente representações que estavam associadas a fase da lua, que por sua vez, estavam associadas as diferentes fases da mulher. Então a Deusa na sua fase de virgindade era representada por Athena, em sua fase de maturidade por Afrodite, e em sua fase de anciã por Hera.

Nesta teogonia minóica, Zeus é um deus menor, companheiro da Deusa-Terra, e o elemento fecundador representado pela chuva. O nome dele provém da palavra zauxis que significa jungir ou unir. A exemplo das estações do ano e dos ciclos de chuva, Zeus deveria nascer todos os anos para a fecundação da Deusa-Terra, morrendo logo depois, assim como o zangão que morre logo após fecundar a abelha rainha. Esse mito era representado na sociedade minóica através do ritual de sacrifício.

Todo ano, a rainha, representante da Deusa, deveria escolher um jovem rei como amante (que seria o representante de Zeus), e ele era sacrificado quando o ano tivesse terminado. Com o sangue do rei eram pulverizados os campos cultivados e as lavouras, e isso, acreditavam, iria garantir produtividade e uma boa colheita. A carne do rei era comida pela rainha-chefe e suas sacerdotisas. Logo após este ritual, outro jovem rei era escolhido como novo amante pela rainha, para também morrer no ano seguinte em favor de uma boa colheita. Podemos dizer que ser rei em Creta era uma “carreira” que possuía uma “aposentadoria” bem precoce.

Mas com o tempo, o “plano de carreia” de rei em Creta ganhou algumas melhorias. O rei deixou de ser um “simples fecundador” e gradativamente passou a tomar parte dos serviços executivos e seu tempo de vida passou a ser mais prolongado antes de seu sacrifico. Até que no período da chegada dos aqueus, o sacrifico humano foi substituído pelo sacrifício animal (graças as Zeus!). E com essas transformações na sociedade minóica, as sarcedotisas foram substituídas por sacerdotes, e provavelmente é aqui que temos a origem de Heracles, pois segundo o mito cretense, ele teria sido um dos primeiros sacerdotes da Deusa mãe junto com Jasão, Idas, Epimedes e Peonéo. Com o gradativo domínio dos aqueus e o enfraquecimento do domínio minóico, o sistema político-social, de matriarcal passou a ser patriarcal. Assim, com o homem no poder, Zeus passa a ser o supremo-chefe do Olimpo, e para a poderosa Hera do passado, resta-lhe o papel de esposa e companheira fiel (esta, no entanto, era uma palavra que Zeus desconhecia).

Quanto a Heracles, que iniciou sua ação como sacerdote de Hera na ilha de Creta, estendeu seus domínios para outras regiões conforme progredia o avanço da nova civilização micênica que se formou após a minóica. A principio, seus feitos estavam concentrados na região próxima a Tebas (como podemos verificar pelos seis primeiros trabalhos), mas com o crescimento de sua popularidade, todos os povos desejavam se identificar com a imagem do herói, e cada um deles dava um jeito de criar um mito (ou modificar um outro) para provar que suas raízes e descendência tinha origem em Heracles. Por isso, os inúmeros feitos e proezas de Heracles não tinham uma seqüência lógica (ainda que dentro da lógica temporal do próprio mito, e não histórica).

Assim, apesar dos esforços, os mitólogos, poetas e dramaturgos não conseguiram colocar os mitos de Hércules numa ordem hierárquica coerente, e seu mitos surgem sob várias formas, de acordo com a época, a região, e a subjetividade dos artistas. Pois, como já foi dito, o mito não é estático, mas sim uma matéria em eterna mutação, que se mantém viva através da História, mesmo além de seus povos de origem. E eu, através de Nova Hélade, dou minha pequena contribuição pra essa vivacidade da mitologia grega.

Pankration

Hércules contra Ajax

O pancrácio é um dos temas abordados no primeiro arco de histórias de Nova Hélade. Trata-se de uma das mais antigas lutas gregas, uma mistura de boxe com luta livre, com golpes e técnicas de lutas que incluem socos, chutes, estrangulamentos, agarramentos e imobilizações. Em suma, as únicas coisas proibidas no pancrácio eram morder, arranhar, golpear os olhos ou a genitália do adversário (pelo menos isso!). As lutas não possuíam limite de tempo, e só acabavam quando um dos lutadores se rendia, ou como não era raro acontecer, morria. Mas mesmo sendo uma luta incrivelmente brutal e violenta, o pancrácio era uma das modalidades esportivas que compunham as olimpíadas na Grécia antiga, e segundos relatos, era o esporte de maior prestígio entre os helenos.

Ânfora panatenaicaO termo pancrácio vem do grego pankration (Παγκράτιον) e significa “poderes totais” ou “todo poderoso”. O pancrata seria então alguém forte, invencível, poderoso. Não por acaso, a origem mitológica da luta diz que ela foi criada por Hércules (no entanto há uma outra versão do mito que diz que o pancrácio foi criado por Teseu). Há relatos que contam que os antigos pancratas costumavam treinar suas técnicas de estrangulamento com leões. Possivelmente teria surgido daí o mito do primeiro trabalho de Hércules, na qual ele derrota o Leão da Neméia que possuía uma pelagem que o tornava invulnerável.

É muito comum em histórias de ficção científica cyberpunk, até mesmo por uma certa influência que ela sofreu da cultura japonesa (como fica bem claro em autores como William Gibson), possuir um ou outro personagem hábil em artes marciais (mesmo que seja através de implantes cibernéticos e coisas do tipo). E eu queria que os protagonistas de Nova Hélade também tivessem essa característica. De início eu pretendia que Hércules, Teseu e Ájax lutassem kung-fu, ou alguma arte marcial oriental. Mas logo desisti da idéia, pois isso iria ficar completamente deslocado da ambientação da história. Foi aí que pesquisando eu descobri o pancrácio, e ele se encaixou perfeitamente no propósito da história, ainda mais se levarmos em consideração a origem mitológica da luta, como eu citei anteriormente.

Na Mega-Polis de Atenas, o pancrácio, no entanto, é uma luta ilegal. Foi proibida pelo prefeito Egeu devido as pressões dos grupos conservadores da cidade por ser extremamente violenta, e segundo eles, ser uma má influência para a juventude. Mas isso não impediu que as lutas de pancrácio continuassem a ser realizada secretamente no submundo de Atenas, para a diversão dos ricos apostadores da cidade. E o prefeito Egeu mal sabe que um dos principais lutadores de pancrácio é o seu filho Teseu, e seu amigo Hércules.

Como o pancrácio, assim como os outros esportes olímpicos, era disputado pelos seus atletas completamente pelados, a minha idéia inicial era fazer com que cena inicial de Nova Hélade, onde Hércules e Ájax se enfrentam, eles também estivessem nus. Mas aí acabei desistindo da idéia, por um medo, até mesmo bobo, de que muitas pessoas rejeitassem a hq só porque ela tem dois homens pelados lutando. Então pedi pro desenhista colocar uma tanguinha neles. Mas talvez mais pra frente na trama ainda vejamos uma luta de pancrácio como ela era realizada nos tempos antigos. =)

Para mais informações sobre o pancrácio, e sobre as olimpíadas antigas, visitem estes sites: